Texto crítico por Isadora Muller
Em "Em algum lugar no Universo: as imagens de nós", Katarine Rech nos propõe uma travessia entre escalas - do ínfimo ao cósmico, do corpo á galáxia. do visível ao intangível. Com pinturas que oscilam entre figuração e abstração, a artista tensiona as fronteiras entre o que conhece e o que apenas se intui. As obras expostas não pretendem decifrar o universo, mas habitá-lo poeticamente, construindo uma cartografia sensível dos abismos que nos cercam - e que nos atravessam.
Ao lançar mão de técnicas clássicas e composições que evocam paisagens cósmicas, Katarine convoca uma experiência visual quase meditativa. Há um embate silencioso entre a matéria e o mistério. As cores fluídas, em campos amplos e atmosferas etéreas, não representam corpos celestes de modo literal: elas especulam, sugerem, ressoam. São fragmentos do cosmos que, mais do que olhar para o céu, olham de volta para nós.
Essa inversão de perspectiva é central. Se por um lado há uma reverência ao universo como fonte inesgotável de fascínio e inspiração, por outro lado, a exposição investiga o desejo humano de pertencimento. As obras criam um ambiente onde o espectador se vê enredado num movimento de autoindagação: o que há em mim de estrela? De poeira? De silêncio?
A curadoria acompanha esse gesto especulativo ao evocar não uma verdade científica, mas uma poética do desconhecido. Ao retomar as perguntas de Gauguin - "De onde viemos? O que somos? Para onde vamos?" -, o texto curatorial acentua a dimensão filosófica do trabalho de Rech. As obras não oferecem respostas, mas dilatam as perguntas. Elas não se explicam, mas convidam à experiência - ao deslize, à suspensão, à dúvida.
Mais do que representar o universo, Katarine Rech o convoca como linguagem. Suas pinturas, impregnadas por referências da astronomia, da física e da história da arte, funcionam como dispositivos para pensar não apenas a imensidão do espaço, mas as pequenas subjetividades que nele habitam, Há, em cada tela, uma pergunta aberta, uma atmosfera rarefeita, um convite à escuta do que não se diz.
Entre o corpóreo e o incorpóreo, a artista nos lembra que somos, também nós, matéria estelar - e que talvez, em algum lugar no universo, sejamos menos espectadores do infinito e mais parte de sua pulsação.