Em algum lugar no Universo

Texto crítico de Isadora Muller para a exposição individual de Katarine Rech “Em algum lugar no Universo: as imagens de nós”

8/4/20252 min read

Texto crítico por Isadora Muller

Em "Em algum lugar no Universo: as imagens de nós", Katarine Rech nos propõe uma travessia entre escalas - do ínfimo ao cósmico, do corpo á galáxia. do visível ao intangível. Com pinturas que oscilam entre figuração e abstração, a artista tensiona as fronteiras entre o que conhece e o que apenas se intui. As obras expostas não pretendem decifrar o universo, mas habitá-lo poeticamente, construindo uma cartografia sensível dos abismos que nos cercam - e que nos atravessam.

Ao lançar mão de técnicas clássicas e composições que evocam paisagens cósmicas, Katarine convoca uma experiência visual quase meditativa. Há um embate silencioso entre a matéria e o mistério. As cores fluídas, em campos amplos e atmosferas etéreas, não representam corpos celestes de modo literal: elas especulam, sugerem, ressoam. São fragmentos do cosmos que, mais do que olhar para o céu, olham de volta para nós. 

Essa inversão de perspectiva é central. Se por um lado há uma reverência ao universo como fonte inesgotável de fascínio e inspiração, por outro lado, a exposição investiga o desejo humano de pertencimento. As obras criam um ambiente onde o espectador se vê enredado num movimento de autoindagação: o que há em mim de estrela? De poeira? De silêncio?

A curadoria acompanha esse gesto especulativo ao evocar não uma verdade científica, mas uma poética do desconhecido. Ao retomar as perguntas de Gauguin - "De onde viemos? O que somos? Para onde vamos?" -, o texto curatorial acentua a dimensão filosófica do trabalho de Rech. As obras não oferecem respostas, mas dilatam as perguntas. Elas não se explicam, mas convidam à experiência - ao deslize, à suspensão, à dúvida. 

Mais do que representar o universo, Katarine Rech o convoca como linguagem. Suas pinturas, impregnadas por referências da astronomia, da física e da história da arte, funcionam como dispositivos para pensar não apenas a imensidão do espaço, mas as pequenas subjetividades que nele habitam, Há, em cada tela, uma pergunta aberta, uma atmosfera rarefeita, um convite à escuta do que não se diz.

Entre o corpóreo e o incorpóreo, a artista nos lembra que somos, também nós, matéria estelar - e que talvez, em algum lugar no universo, sejamos menos espectadores do infinito e mais parte de sua pulsação.

Fotografia de Gawain Santos durante a abertura da exposição individual de Katarine Rech "Em algum lugar no Universo: as imagens de nós', na Câmara Municipal de Porto Alegre, 2025.

Isadora Volkmann Muller, 20 de fevereiro de 2004, Porto Alegre RS.

É graduanda em História da Arte na UFRGS, participa do grupo de pesquisa "Práticas artísticas e suas narrativas de legitimação" orientado pela Profa. Dra. Bruna Fetter. Integra o corpo editorial da revista ÍCONE, Participou dos XXXV e XXXVI Salões de Iniciação Científica da UFRGS. Participou da organização do 10° Encontro da Revista MODOS. Participou do 1° Encontro Regional da ANPAP Sul e 2° CWB_Latina - Colóquio Internacional de Arte desde a América Latina. Participou da curadoria, produção e montagem da exposição "Dedos Cruzados", que ocorreu na Casa de Cultura Mário Quintana em 2025. Integrou a equipe educativa da 14ª Bienal do Mercosul. Foi produtora da exposição "Vila-Domingues", primeira individual de Alex Domingues, com curadoria de Bruna Fetter.